Em tempos de polarização, o mundo nos oferece sinais claros do que acontece quando a democracia e o conhecimento são ameaçados por governos autoritários. Dois exemplos recentes , um atual e outro histórico , lançam luz sobre esse cenário: a eleição de Lee Jae-myung na Coreia do Sul, após a tentativa de golpe de Estado do ex-presidente Yoon Suk-yeol, e a história de Qian Xuesen, cientista expulso dos Estados Unidos durante a era do macartismo, que se tornou o pai do programa espacial chinês.
Separados por décadas e por oceanos, esses dois episódios dialogam entre si de maneira inquietante. Ambos mostram como a repressão, o medo e a intolerância podem custar caro — tanto politicamente quanto estrategicamente.
Na Coreia do Sul, a recente vitória de Lee Jae-myung nas urnas foi uma resposta popular contundente a uma tentativa autoritária de sufocar o sistema democrático. Yoon Suk-yeol, presidente destituído, tentou em vão instituir a lei marcial em meio a investigações de corrupção. Seu plano falhou, mas deixou cicatrizes profundas no país. A eleição de Lee político envolto em controvérsias, mas simbolicamente opositor do regime deposto representa mais do que uma vitória partidária: é a reafirmação de valores democráticos por um povo que não aceita a volta da repressão.
As imagens de jovens protestando nas ruas, de cidadãos mobilizados nas redes sociais e de um congresso que impediu um golpe em tempo real são um alento. A democracia sul-coreana foi testada e sobreviveu.
No meio do século XX, os Estados Unidos tomaram uma decisão que, hoje, parece absurda: acusaram um de seus mais brilhantes cientistas aeroespaciais de ser comunista e o deportaram para a China. O nome dele era Qian Xuesen. Formado no MIT, cofundador do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), Qian era uma peça-chave para o futuro da tecnologia americana. Mas, sob o medo vermelho do senador McCarthy, foi colocado em prisão domiciliar e, depois, expulso.
De volta à China, Qian se tornou herói nacional. Liderou o programa de mísseis e foguetes, sendo reconhecido até hoje como o “pai da engenharia espacial chinesa”. O talento que poderia ter alavancado a supremacia tecnológica americana serviu, ironicamente, para fortalecer o principal rival dos EUA no século XXI.
Em ambos os casos o recente, na Coreia, e o histórico, nos EUA , o pano de fundo é o mesmo: o medo que conduz à intolerância, o autoritarismo que sufoca a liberdade e o custo alto de se abrir mão da razão.
Quando governos escolhem perseguir seus próprios cidadãos por suas ideias, ou tentar calar instituições democráticas, perdem mais do que reputação: perdem talentos, legitimidade e, com o tempo, a própria estabilidade.
Nos EUA de hoje, sob uma possível reeleição de Donald Trump, que já prometeu endurecer o controle sobre agências como o Departamento de Justiça e perseguir adversários políticos, a história de Qian soa como um alerta. E na Ásia, a Coreia do Sul oferece uma prova de que a democracia ainda tem forças para reagir desde que o povo não aceite o silêncio.
A democracia, assim como a ciência, precisa de liberdade para florescer. Quando governos confundem oposição com inimigos, e cientistas com traidores, o retrocesso é inevitável. Os sul-coreanos entenderam isso nas urnas. Os americanos, ao expulsarem Qian, aprenderam da pior forma.
A pergunta que fica é: quantas vezes mais o mundo precisará repetir os mesmos erros até aprender?